Sem sombra de dúvidas, um dos problemas mais recorrentes da minha advocacia é a reclamação da divisão desigual entre irmãos nos cuidados dos pais idosos. A pergunta sempre é: Laura, eu estou tão sobrecarregada – o que eu posso fazer para obrigar o meu irmão a me ajudar?
A resposta é complexa e partimos do pressuposto de que é praticamente impossível obrigar uma pessoa a assumir as responsabilidades adequadas em relação aos pais, ainda que isso seja uma obrigação legal. Sim, pela Constituição da República, é obrigação dos filhos cuidar de seus pais idosos. Mas, da Constituição para a nossa casa, há um longo caminho.
Direito não dá bom senso
Se todo mundo tivesse bom senso e responsabilidade, eu não precisaria escrever este texto. As pessoas assumiriam suas obrigações e ninguém precisaria cobrar nada. Mas não é bem assim – bom senso é a mercadoria mais escassa que tem.
Quando as pessoas me procuram para tratar desse assunto – a desigualdade da carga dos cuidados com os idosos – normalmente, o que eles desejam é que a intervenção de uma advogada ou, por meio do processo, do Juiz leve a uma mudança de comportamento. Em outras palavras, as pessoas têm a fantasia de que o operador do Direito possa dar um “susto” no filho irresponsável e que ele, então, resolva levar a vida a sério. Quem me dera fosse assim.
Além disso, o sistema de justiça receia obrigar alguém a cuidar de uma pessoa vulnerável pelo risco de negligência. Você tem coragem de entregar seu pai ou sua mãe idosos a um irmão que declaradamente não vai cuidar deles? Difícil, né?!
Por isso, as soluções que o Direito oferece não são exatamente que se chegue a uma divisão mais justa dos cuidados, mas de meios de responsabilizar o filho negligente.
O crime de abandono de idoso
O Estatuto da Pessoa Idosa tem um capítulo próprio sobre os crimes praticados contra essas pessoas, com atenção especial às suas vulnerabilidades. Um deles é o abandono de pessoas idosas.
Prescreve o artigo 98 do Estatuto: Abandonar a pessoa idosa em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado. Pois bem. A lei obriga que filhos sejam responsáveis por seus pais. Por isso, se algum deles o abandona, sem motivo que justifique essa negligência, ele pode ser denunciado.
Para isso, se tiver na sua cidade, procure a Delegacia Especializada em Proteção da Pessoa Idosa ou a Promotoria de Proteção da Pessoa Idosa do Ministério Público. Em Belo Horizonte, a Delegacia Especializada de Atendimento à Pessoa com Deficiência e Idoso e a Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos ficam no Barro Preto.
O pedido de pensão alimentícia
Se um dos filhos negligencia os cuidados com os pais idosos, outro caminho é o de pedir pensão alimentícia para os pais. Pensão não é coisa só de pai para filho – é plenamente viável exigir alimentos contra os filhos em caso de pais idosos e necessitados.
Sabemos que nem sempre o dinheiro substitui o cuidado ou resolve o problema como um todo. Mas ajuda e pode ajudar muito. É direito da pessoa idosa pedir alimentos aos filhos e ela pode escolher contra qual filho ela vai entrar com o pedido. Essa é uma forma de, por exemplo, poder contratar um cuidador profissional para, de vez em quando, desonerar os filhos que estão responsáveis pelo seu cuidado.
Para isso, é necessário consultar um advogado ou, no caso de baixa renda, procurar a Defensoria Pública do seu estado.
O tabu da instituição de longa permanência
Hoje vivenciamos, como sociedade, um grande desafio. O aumento da longevidade fez com que nossa população seja cada vez mais idosa. Por outro lado, as pessoas têm menos filhos. É cada vez mais comum que pai e mãe idosos e dependentes tenham apenas um filho para gerenciar os seus cuidados. Essa conta não fecha.
Por isso, precisamos falar das instituições de longa permanência, que permitem a terceirização do cuidado direto de forma especializada. Isso não pode, claro, significar abandono. Como explicado acima, é crime.
Mas nos casos em que há um desequilíbrio no quanto de cuidado cada filho pode contribuir, a sobrecarga sobre um deles pode ser muito prejudicial. Nesses casos, destaco, inclusive, a desigualdade de gênero que faz com que geralmente recaia sobre uma filha mulher. Quando isso acontece, é ainda mais importante desfazer o tabu das ILPI, que podem ser um apoio essencial no cuidado do idoso com maior dependência.
A relevância da curatela para a representação e a gestão do cuidado
Quando atendo famílias em situação de desequilíbrio na divisão do cuidado, ao falar sobre a possibilidade, por exemplo, de pedir pensão, o filho me diz: ah, mas minha mãe não tem mais condições de decidir ou assinar uma procuração. Bom, se seu familiar idoso está com demência, você deve curatelá-lo.
A curatela é uma medida de proteção das pessoas incapazes que permite a sua representação por um terceiro, cuja atuação será fiscalizada pelo Ministério Público e pelo Judiciário. Com a curatela, o filho representante pode, inclusive, distribuir uma ação de alimentos em nome do pai ou da mãe curatelado.
Essa é uma medida relevante de proteção e que dá transparência à gestão dos recursos e dos cuidados dedicados a uma pessoa idosa e com sintomas demenciais.
Aproveite para ter acesso ao nosso e-book gratuito Tudo que você precisa saber sobre curatela.
Baixar e-book: Tudo que você precisa saber sobre curatela