É comum que, diante de um familiar ou amigo vulnerabilizado pela incapacidade, as pessoas se perguntem: mas quem deve ser nomeado o curador dessa pessoa?
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ToggleEssa é uma pergunta delicada e, ainda que a legislação nos ofereça algumas respostas, a indicação de quem é o curador mais adequado não é uma mera decorrência da lei.
Em alguns casos, especialmente quando há bastante dinheiro envolvido, a discussão se dá porque muitas pessoas querem assumir a curatela de um parente. Contudo, em um mundo que não valoriza o trabalho do cuidado, há muitas situações em que ninguém quer tomar para si essa responsabilidade.
E aí? Como fica a nomeação do curador ao interdito?
Quem pode distribuir a ação de curatela
Antes de verificar quem pode ou deve ser o curador, importa saber quem pode ou deve distribuir a ação de curatela. É comum que se confunda as duas coisas até porque, em regra, quem distribui a curatela pede para ser o curador. Mas uma coisa não se confunde com a outra.
A legitimidade para a distribuição da ação é determinada pelo artigo 747 do Código de Processo Civil. Podem promover a ação de curatela o cônjuge ou o companheiro, os parentes, o representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando e o Ministério Público.
Ou seja, espera-se que um familiar tome essa providência se ela for necessária. O Código não coloca qualquer limite de grau de parentesco. Mas, se a pessoa estiver institucionalizada e precisar de curatela, o representante da entidade pode buscar a interdição.
O Ministério Público, contudo, tem sua legitimidade limitada, pois só promoverá a interdição em caso de doença mental grave se a família não existir ou não tomar a providência.
Como já explicamos aqui, o Ministério Público é essencial em toda ação de curatela, mas o papel de autor da ação tem limitações.
A ordem legal de nomeação da curatela
Uma coisa é a legitimidade para distribuir a ação de curatela. Outra coisa é a ordem legal de nomeação do curador. Como explicamos acima, a legitimidade está no Código de Processo Civil.
A ordem de nomeação do curador, por sua vez, está no artigo 1.775 do Código Civil:
- O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito
- Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto.
- Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos
A ordem de nomeação de curador segue uma lógica de quem seria, presumidamente, mais próximo e mais apto para exercer essa responsabilidade. Mesmo que seja claro que se trata de uma ordem a ser seguida (o uso da expressão ‘na falta’), a verdade é que tanto a doutrina quanto a jurisprudência já assentaram que essa ordem não é obrigatória.
Afinal, imagine se uma pessoa idosa está em processo de curatela por causa de demência. Uma pessoa de 90 anos, casada com outra de 87 anos. Os filhos na casa dos 65 anos e netos adultos. Francamente, ainda que o cônjuge seja, de direito, curador do outro, dificilmente uma pessoa de 87 anos terá plena aptidão para esse múnus. Não é uma questão de etarismo, mas uma pessoa com mais de 80 anos também é vulnerável. Eventualmente, os filhos também já estarão em situação delicada pela idade. Ainda que a lei diga que entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos, pode ser que um neto, nesse caso, seja a melhor opção.
Por isso dizemos que a ordem do artigo 1.775 do Código Civil não é taxativa.
Além disso, para além dessa ordem, há a possibilidade de curatela compartilhada, como já escrevi aqui no blog.
Quem pode recusar de ser curador
Quem vai ser o curador pode gerar dúvidas. Mas uma coisa que preocupa muitas pessoas é saber se pode se recusar a ser curador.
Sim, existem casos em que o pai, por exemplo, precisa de curatela e os filhos não desejam essa responsabilidade.
A curatela é um dever legal em alguns casos e só será afastada com uma das escusas da curatela. Podem escusar-se:
- mulheres casadas
- maiores de sessenta anos
- aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos
- os impossibilitados por enfermidade
- aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a curatela
- aqueles que já exercerem tutela ou curatela
- militares em serviço
É bem evidente que as escusas da curatela foram pensadas em outros tempos, quando as mulheres casadas eram tidas como sem autonomia. Isso não faz mais sentido. Mas, de resto, não havendo um dos motivos acima, o curador nomeado tem que aceitar o encargo.
Existindo uma das escusas, o curador nomeado tem cinco dias para demonstrá-la antes de aceitar o encargo. Se já for curador, deverá informar a escusa no dia em que ela sobrevier.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, inclusive, que, excetuando-se os casos de dispensa ou escusa, bem como o previsto no art. 1.736 do Código Civil, a curatela configura-se como uma obrigação imposta legalmente, um encargo público, que deve ser aceito pelo nomeado, se tiver todas as condições para sua investidura. Motivos alegados como a “falta de tempo” ou a “ausência de afinidade ou afetividade” não são motivos dispostos na lei como possíveis de eximir o curador do encargo.
Sem sombra de dúvida, uma situação bastante delicada. O que se espera de colocar uma pessoa vulnerável aos cuidados de quem já se recusou a isso?
A aptidão para ser curador
Bom, como já expliquei até aqui, existe uma ordem legal de nomeação de curador, assim como há uma lista de motivos pelos quais uma pessoa pode se recusar a ser curador.
Contudo, para além dos limites legais, se pensarmos que a curatela tem como objetivo a proteção do curatelado, vamos concluir que o curador precisa, antes de tudo, ser apto para essa responsabilidade.
De início, é preciso aptidão física e mental. É por isso que um dos documentos tradicionalmente exigidos na ação de curatela é um atestado de higidez do pretenso curador. Não adianta nomear uma pessoa com saúde frágil, por exemplo, para ser curadora de uma pessoa com deficiência intelectual. Ela não vai conseguir tomar todas as providências necessárias.
Mas, para além da higidez física e mental, é importante falarmos da aptidão, da competência para aquela curatela em especial. A verificação deve acontecer no caso concreto. Explico.
Pensemos em um casal tradicional: enquanto a esposa ficou em casa cuidando dos filhos e da vida social da família, o homem construiu um vasto patrimônio com várias empresas. Ocorre que ele manifestou sintomas de demência. É viável que sua esposa assuma a sua curatela e, inclusive, as decisões acerca desse patrimônio? Parece que não.
Ou seja, é preciso verificar também uma competência para o exercício da curatela a partir das necessidades específicas do caso.
O afeto na escolha do curador
Atualmente, a curatela é entendida como uma medida de proteção patrimonial. Ou seja, o curador deve administrar a renda do curatelado em seu interesse, mas não deve ter qualquer ingerência em suas decisões existenciais.
Ocorre que esse limite, que busca proteger o curatelado, pode não ser possível na vida real. Francamente, quando se trata de curatela de uma pessoa com demência avançada, é ilusório afirmar que não serão tomadas decisões existenciais por ela.
Nesse sentido, além de aptidão e competência, é preciso questionar quem tem uma relação mais próxima com essa pessoa de modo a conseguir projetar sua vontade presumível. Em outras palavras, é preciso afeto entre curador e curatelado, especialmente quando este está muito vulnerabilizado pela causa da curatela.
O curador dativo
Já vimos acima a ordem legal de nomeação do curador. O dispositivo determina a preferência e, ao final, prescreve: na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador.
Ou seja, ainda é possível a nomeação de uma pessoa desconhecida do curatelado, nomeado por confiança do Juiz. Esse é o curador dativo, que presta um serviço em proteção dos vulneráveis e recebe por isso.
Essa nomeação também pode acontecer por intensa litigiosidade entre os parentes ou porque o curador anteriormente nomeado foi negligente com o curatelado.
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