É, sim, possível ter dois curadores para uma só pessoa curatelada.
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ToggleEssa é uma novidade trazida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (também conhecido como Lei Brasileira da Inclusão) que, em 2015, incluiu o artigo 1.775-A ao Código Civil, nos seguintes termos: “Na nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa.”
É sempre bom lembrar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe muitas alterações legislativas no tema da curatela, assim como trouxe um novo paradigma de interpretação sobre o tema. Mas isso não significa que ela se aplica apenas aos casos de curatela por deficiência intelectual. As alterações são sobre o instituto da curatela como um todo, que se aplica a diversas situações, como você pode ver no artigo Quem deve ser curatelado?.
Até então, os tribunais já vinham abrindo caminho para essa possibilidade, mas com alguma resistência por conta da ausência de amparo legal. A modificação foi bem-vinda, mas merece cuidado na sua aplicação para que o compartilhamento não se torne um permissivo para a negligência.
As vantagens da curatela compartilhada
- Diminuição da sobrecarga: ainda que a curatela não determine a perda da autodeterminação da pessoa curatela, o curador precisa tomar uma série de decisões sobre cuidados, contratação de suporte remunerado, alimentação, médicos, terapias. Independentemente do custo, as tomadas de decisão são, em si, uma carga mental imensa. O compartilhamento oficial dessas decisões pode fazer da curatela menos desgastante.
- Responsabilidade pelas contas:em caso de julgadas inadequadas as contas prestadas, o curador tem responsabilidade pessoal pelos prejuízos financeiros causados ao curatelado. O compartilhamento dessa responsabilidade é muito delicado. E se um dos curadores causar um grande prejuízo, a responsabilidade será compartilhada? A lei não determina. Por isso, é preciso uma relação de confiança entre dois curadores.
- Divisão desproporcional: a curatela compartilhada pode trazer uma expectativa de divisão igualitária do trabalho, que pode não se concretizar. Ainda, pode haver uma impressão de que o trabalho desenvolvido por um é muito maior que o do outro, dando lugar a graves desentendimentos entre os curadores.
Os desafios da curatela compartilhada
- Compartilhamento de tomada de decisões: compartilhar decisões é bom, mas é difícil. Pessoas da mesma família podem ter opiniões muito divergentes sobre cuidados da saúde e sobre finanças. Optar pela curatela compartilhada é se colocar na posição de compor e de ceder em algumas circunstâncias.
- Responsabilidade pelas contas:em caso de julgadas inadequadas as contas prestadas, o curador tem responsabilidade pessoal pelos prejuízos financeiros causados ao curatelado. O compartilhamento dessa responsabilidade é muito delicado. E se um dos curadores causar um grande prejuízo, a responsabilidade será compartilhada? A lei não determina. Por isso, é preciso uma relação de confiança entre dois curadores.
- Divisão desproporcional: a curatela compartilhada pode trazer uma expectativa de divisão igualitária do trabalho, que pode não se concretizar. Ainda, pode haver uma impressão de que o trabalho desenvolvido por um é muito maior que o do outro, dando lugar a graves desentendimentos entre os curadores.
Caminhos para uma curatela compartilhada
A curatela compartilhada pode ser uma excelente solução, especialmente porque as questões de família demandam partilha. Mas para que esse arranjo funcione, vale se atentar para algumas providências.
A minha sugestão é que a responsabilidade de cada curador já seja definida no próprio processo. Por exemplo, um curador é financeiro e será responsável pelos pagamentos e pela prestação de contas. O outro curador é responsável pela seleção de cuidadores, profissionais da saúde e definição de terapias. Ou, caso haja duas fontes de pagamento, em duas contas bancárias diferentes, quem cuida de cada conta.
O ideal é que isso conste da sentença, sacramentando o que é responsabilidade de cada um e quem pode movimentar contas bancárias. Contudo, caso o Juiz não aceite fazer constar de sua decisão essa definição, entendo que os curadores podem fazer essa divisão entre eles. Um documento entre os curadores com as definições de responsabilidade não poderá ser oposto ao curatelado em seu prejuízo, mas pode ajudar em eventuais conflitos.
A orientação mais abrangente, contudo, é que a escolha da dupla de curadores leve em consideração um alinhamento de posições sobre o que é o cuidado e como ele deve ser exercido. Isso, claro, imaginando que a curatela e a escolha do curador sejam decisões tomadas em consenso familiar (sobre curatela e consenso, não deixe de ver o post Todos os parentes precisam concordar com a curatela?). O ideal é que exista uma convergência de opiniões entre os curadores para que a curatela não seja um fardo.
Curatela compartilhada não é guarda compartilhada
Para finalizar esse assunto, é sempre bom lembrar que curatela não é guarda. É muito comum a confusão, como se a curatela fosse uma continuidade da guarda no caso de pessoas com deficiência a partir de 18 anos ou um retorno à guarda quando se trata de pessoa mais velha com demência.
Pessoas sujeitas à curatela não são crianças.
Guarda e curatela são institutos diversos e a expressão compartilhada pode trazer ainda mais confusão. Enquanto a guarda é preferencialmente compartilhada (sempre, sempre que possível), essa quase obrigatoriedade não se repete na curatela. O compartilhamento da curatela só vai acontecer se houver disponibilidade de mais de uma pessoa para fazê-lo. No caso da guarda, pode acontecer mesmo sem consenso dos genitores.
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