Recebi em consulta um rapaz que me perguntou se ele era obrigado a sustentar o irmão de quem ele era curador. Ele estava esgotado emocionalmente e financeiramente.
Pergunta interessante essa, já que o cuidado já é, em si, um trabalho. Além dele, há que se exigir do curador que garanta o sustento do curatelado?
De onde vem o dever de sustento?
O dever de prestar alimentos vem do parentesco, conforme prescreve a lei: podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
Mas existe uma ordem para o dever de sustento e solidariedade, de maneira que os mais próximos têm essa obrigação mais extensa e mais direta, enquanto os mais distantes contribuirão de maneira subsidiária e complementar. Isso também fica evidente na legislação: o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Ainda, na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.
Dessa feita, enquanto crianças, o dever de sustento é dos pais e, subsidiariamente, dos avós. Aos idosos, o dever é primeiramente dos filhos e, depois, dos netos. Não havendo ascendentes ou descendentes aptos, a obrigação pode recair para os colaterais, que é o caso dos irmãos.
Não podemos esquecer que o dever de sustento dos pais é diferente de todos. Mesmo que estejam desempregados, mesmo que estejam em dificuldades, se os filhos têm menos de 18 anos, é sempre obrigação dos genitores providenciarem uma forma de suprir as necessidades de seus filhos. Nas outras relações de parentesco, a impossibilidade ou a dificuldade de contribuir para o sustento de alguém pode afastar esse dever.
As relações familiares de solidariedade e a curatela
Normalmente, o curador é um parente. Não há um impedimento de que seja alguém estranho à família – seja porque foi nomeado um curador dativo, seja porque amigos também podem ser curadores em alguns contextos. Mas, a regra, é que um familiar próximo venha a exercer a curatela.
A verdade é que o rol das pessoas que podem ser chamadas a pagar alimentos é muito parecido com o rol das pessoas que normalmente são chamadas a exercer a curatela.
Então, os curadores não são obrigados a sustentar o curatelado por causa da curatela, mas podem ser obrigados porque são os parentes responsáveis pelo sustento. Por exemplo, uma pessoa de 20 anos foi curatelada em razão de deficiência intelectual e o curador é seu pai. Ele terá de sustentá-la em razão do parentesco e não da curatela em si.
No caso do meu consulente, que é irmão do curatelado, o seu lugar na lista dos alimentantes é distante. Ele é um colateral. Como no caso dele os gastos com o irmão estavam inviabilizando o próprio sustento, eu entendo que ele não poderia ser o único responsável. No caso, é preciso verificar na família e no Estado como essas pessoas podem ser amparadas.
Quem pode ser chamado a contribuir?
Ainda que o curador seja uma pessoa do rol dos alimentantes e, portanto, com alguma responsabilidade no sustento do curatelado, ela pode não ser a única. Nesses casos, é possível que o curatelado requeira pensão alimentícia, representado pelo curador.
Por exemplo, uma pessoa com 20 anos curatelada por deficiência intelectual que vive sob os cuidados zelosos da mãe. Essa mãe tem dever de sustento. Mas não só ela. Nesse caso, a moça pode requerer a pensão do pai, representada pela mãe. Assim, teremos uma curadora e duas pessoas responsáveis pelo sustento. A depender das circunstâncias, esse pedido pode ser feito, inclusive, contra os avós.
Da mesma forma, podemos ter um idoso curatelado por demência, que mora com um dos seis filhos, que hoje é seu curador e no encargo de pagar suas despesas. Todos os outros cinco filhos podem ser chamados a pagar pensão alimentícia ao pai, que será administrada pelo filho curador. Nos gastos desse pai se pode pensar em até remunerar o curador, como já expliquei em outro post.
O encargo do curador já é bastante oneroso pessoal e emocionalmente. Por isso, é com muito cuidado que deve ser pensada a coincidência entre curatela e sustento.
A saúde como direito de todos e dever do Estado
Além da família, é responsabilidade do Estado assistir as pessoas em situação de vulnerabilidade. A saúde é direito de todos e dever do Estado, como prega a Constituição da República. Por isso, todos os gastos de saúde de uma pessoa curatelada podem ser exigidos do ente estatal.
O amparo da seguridade social, representado no tripé saúde, assistência social e previdência, é essencial para o amparo das pessoas incapazes e de suas famílias. O SUS, o benefício da prestação continuada, a aposentadoria – tudo isso é uma rede de proteção à vulnerabilidade das pessoas que precisam de curatela.
Quando o Estado faz o seu papel e, com isso, desonera os familiares responsáveis pelo trabalho do cuidado, ele amplia as possibilidades de concretização do direito a convivência comunitária e familiar das pessoas com deficiência, com transtorno mental e/ou com demência.
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