Desde a edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a concepção do que é a curatela mudou drasticamente no Brasil. Se antes a interdição era tida como uma substituição completa da vontade da pessoa curatelada pela do curador, hoje é muito claro que a curatela deve, sempre que possível, reduzir-se aos aspectos da administração patrimonial da vida da pessoa tida como incapaz.
Índice
ToggleContudo, há casos ainda que a incapacidade é ampliada e, portanto, acaba por exigir que o cuidador/curador tome decisões para além da administração financeira. Por exemplo, quando há um quadro de demência avançada, certamente o responsável terá que decidir sobre tratamentos, residência e outros – sempre que possível em coerência com as opções de vida feitas antes da incapacidade. Há casos ainda de deficiência intelectual grave que requerem um cuidado mais amplo que simplesmente a gestão do dinheiro.
Ainda assim, dentro do possível, as decisões tomadas pelas pessoas curateladas devem proteger sua autodeterminação, suas escolhas existenciais e seus afetos. Existe um núcleo da vivência das pessoas, mesmo que curateladas, que não pode ser negligenciado na substituição de decisões.
A identidade de gênero

Para começar, não há grau de incapacidade que justifique a violação da identidade de gênero.
Na nossa sociedade é atribuído um gênero no nascimento de acordo com as características físicas da criança. Quem se reconhece nesse gênero, que é uma construção social, é uma pessoa cisgênero.
Quando esse reconhecimento não ocorre e a pessoa se identifica com o gênero oposto, dizemos que a pessoa é transexual. Há, ainda, as pessoas que não se identificam exclusivamente como homem e/ou mulher e são não-binárias.
Não há nada que justifique a desconsideração da identidade de gênero de uma pessoa, mesmo que ela tenha sido curatelada. A sua expressão de gênero deve ser respeitada em qualquer circunstância, assim como as roupas que decidiu usar e, especialmente, um nome social que tenha escolhido para si.
A orientação sexual

No mesmo sentido, eventual incapacidade atestada em processo de curatela não tem o condão de impedir a orientação sexual das pessoas.
A orientação sexual é a direção da atração afetiva e sexual de uma pessoa. Hoje, entende-se a orientação sexual como um espectro em que há uma quantidade imensa de possíveis vivências. Contudo, as mais conhecidas são a heterossexualidade, quando uma pessoa se sente atraída pelo sexo oposto, a homossexualidade, em que a atração se direciona por pessoas do mesmo sexo, e a bissexualidade, em que ambas as direções são possíveis.
Não há declaração de incapacidade que possa afastar a orientação sexual de uma pessoa. Mesmo curatelada, a vivência da afetividade será sempre a desejada pela pessoa. Contrariar a orientação sexual será sempre uma violência.
A relevância da manifestação da vontade prévia

Se você é da comunidade LGBTQIAP+ e tem receio de que, em caso de declaração de incapacidade, sua autodeterminação seja violada, pense seriamente em deixar sua vontade manifestada em documento próprio.
Uma possibilidade é fazer uma autocuratela, em que fique expressa a vontade de quem deve ser seu curador e quem não deve ser, especialmente se há parentes próximos que podem violar os seus direitos.
O planejamento para eventual incapacidade deveria ser uma providência para todos. Mas, para a comunidade LGBTQIAP+, esse planejamento é essencial.
Aproveite para ter acesso ao nosso e-book gratuito Tudo que você precisa saber sobre curatela.
Baixar e-book: Tudo que você precisa saber sobre curatela